quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

nada mais.


Estava a vê-lo lentamente partir. Sem poder fazer nada. Paralisada nas asas que o vento me entregou. Senti dor. Nada podia eu fazer. A vida é injusta, certo? O homem que toda a minha vida amei estava ali. Deitado sobre um colchão frio, com todas as partes do seu, agora, delicado corpo a tremerem. A sala do antigo hospital estava, também, fria e deserta. Todas as respirações se ouviam no interior. Todas as suas últimas palpitações eram como facas aguçadas nas minhas costas á espera do momento certo.
Sempre lhe prometi que morreríamos juntos. Sempre lhe prometi que o nosso último inspirar, o passaríamos juntos. Até ao fim. Seria eu mentirosa? Sim.
Não sabia que mais fazer. Mais uma vez, o medo estava entranhado em todo o meu corpo. Queria relembrar como tudo começou. DESEJAVA viver tudo aquilo vezes e vezes sem conta. Perder-me nas memórias do tempo e simplesmente entregar-me toda a isso. Sem preocupações. Sem razões. Sem certezas. Sem ar. Precisava de me sentir assim outra vez.
Olhei novamente para a sua cara. Imaginei, sem poder imaginar, o que ele estaria a sentir. Seria eu uma imagem nítida a seus olhos ou simplesmente um esboço desgastado pela doença? Penso que só se conhece realmente a pessoa estando na sua pele. Mas não. Eu sabia tudo sobre ele. Ao longo de 73 anos, vivemos juntos mais do que a maioria se atreve. Se alguém, alguma vez, se atrever a proferir que o que eu sinto, ou ele sente, não é amor, chamem-no de «mentiroso». Pois, sim. Essa é a verdade.
Prometi que seria a última vez que o contemplava. O seu rosto não se mexia. Eu sabia que não conseguia. Sabia também que todos os minutos o faziam sofrer ainda mais. Não gritava, não gemia e também já não tremia. Estava tudo num turbulento de emoções que só ele conseguiria descrever. Olhei-o nos olhos. Estavam vermelhos. De uma cor vermelha viva estranha. No meio estava a sua íris, sempre azul. Como eram lindos. Dava orgulho. Sabia que não deviria olhar outra vez, mas não conseguia deixar de o fazer.
Nunca pensei que o despedir de alguém fosse tão difícil. Muitas pessoas, na minha família e amigos, faleceram ao longo dos anos. Mas sinceramente, nunca me foi tão difícil largar de alguém. Afastei-me para longe do teu corpo. Olhei à minha volta. As paredes pareciam estar cada vez mais perto. Estava a suar. O solo parecia uma montanha russa. Caí no chão frio. Deixei-me estar assim. Precisava de descanso. Não aguentava mais.
Alguns minutos depois ouviu-se um barulho estridente, vindo da máquina que se situava a teu lado. Entrei a pânico. Levantei-me desordenadamente e corri a teu auxílio. O barulho parou de repente. Sabia que te tinha perdido. Perdido? Não te podia ter perdido. Eras a minha vida. O meu ser. o que seria de mim sem ti? A sala tornou-se vazia. Quem era eu para a ocupar? Ninguém. Naquele momento eu era simplesmente ninguém. Já não conseguia chorar mais. As lágrimas tinham secado. Nada mais era concebido. Simplesmente tentava procurar força. No silêncio que se formou apenas consegui vociferar um trémulo e, agora, estranho, «amo-te.»

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